O Uso de um Objeto - Parte IV

Parte 1: Winnicott começa o artigo falando do tempo da interpretação. O analista deve aguardar o tempo oportuno para oferecer uma interpretação. A interpretação deve ser criada quando for encontrada. O risco da análise sem fim, na qual o analisando se relaciona com o analista como um objeto subjetivo, se adaptando a ele, sendo um falso self adaptativo. É preciso caminhar da relação de objeto para o uso do objeto. Esse é o modelo da análise proposto no início do artigo, pano de fundo prático para os avanços teóricos que serão expostos a seguir.
Parte 2: Winnicott parte do pressuposto de um self isolado, que aos poucos vai distinguindo a realidade. Relacionar-se com a realidade objetiva não é automático ou natural. Depende de um tipo de relação amorosa específica, na qual o objeto (objetivo) sobreviva à destruição do objeto (subjetivo). A construção da objetividade do objeto acontece ao mesmo tempo em que o próprio eu é construído e reconhecido. A mãe suficientemente boa é o modelo do cuidador que vai suportar o paradoxo vivenciado pelo bebê: eu crio o objeto que eu encontro. É esta a ilusão de onipotência. Ela deve ser desfeita lentamente para que eu possa vir a reconhecer a objetividade do objeto, isto é, sua alteridade mesma, independente do que eu possa vir a fantasiar sobre ele.
Parte 3: A distinção eu / não-eu aponta para a prioridade do ódio na relação com o objeto objetivo: primeiro é preciso me distinguir do objeto, reconhecê-lo como não-eu, retirá-lo da minha área de ilusão onipotente: o objeto não é aquilo que eu quero que ele seja. Só a partir disso, a partir do ódio que me faz distinguir o que eu sou e o que não é eu, é que posso ter a possibilidade de amar o objeto, de reconhecê-lo em sua alteridade mesma, em sua objetividade. Isso não impede que a destruição do objeto subjetivo continue permanentemente na fantasia inconsciente. Na fantasia, minha onipotência continua a fazer do objeto tudo o que quiser. É a discrepância entre o que acontece com o objeto na fantasia (objeto subjetivo) e o objeto "lá fora" (objeto objetivo) que demonstra que o objeto sobrevive, que ele permanece. Daí a importância do objeto não retaliar ou se vingar quando é destruído na fantasia: o cuidador deprimido é o paradigma dessa retaliação, isto é, é como se a destruição que dirijo ao objeto subjetivo destruísse mesmo o objeto objetivo. Isso faz com que seja impossível o desenvolvimento da capacidade de usar o objeto.
Parte 4: A falha na constituição da capacidade do uso do objeto faz com que o sadismo possa se estabelecer. A agressividade que deveria ter sido localizada na fantasia inconsciente permanece voltada para fora. O exemplo do sujeito com a obra de arte trazido por Winnicott mostra isso. Num exemplo clínico, Winnicott mostra como é preciso um cuidador estável para que o uso do objeto se constitua. Na ausência desse cuidador estável, o sujeito recua diante da criatividade. Ele inibe seus impulsos destrutivos e inibe todos os outros impulsos conjuntamente. Apenas se eu puder criar e destruir o objeto subjetivo muitas vezes, sem retaliação e percebendo, aos poucos, que o objeto objetivo sobrevive, estável e permanente, é que eu posso, adiante, me relacionar criativamente com o mundo, sem medo da retaliação.
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Пікірлер: 22

  • @ProfCristinaDias
    @ProfCristinaDias10 ай бұрын

    Excelente conteúdo. Gratidão pela pesquisa disponibilizada 🙏🏼

  • @jadielsilva1339
    @jadielsilva13394 жыл бұрын

    Muito boa essa série também. Obrigado por abrir esse universo a pessoas como eu.

  • @fabiobelo

    @fabiobelo

    4 жыл бұрын

    Puxa, Jadiel! Eu que agradeço pela companhia. Que bom que tá havendo transmissão. A ideia é esta! :-)

  • @jrtavora
    @jrtavora5 жыл бұрын

    Caríssimo Fábio, sempre articulado e pedagógico. Parabéns pela produção e interpretação. No sentido de ampliar o debate, deixo um fragmento de Merlau Ponty ( parte do movimento fenomenólógico ) para confrontar a ideia solipsista carregada não só pelo Cogito, mas por Winnicott e Freud. "Descubro em mim um tipo de fraqueza interna que me im­pede de ser absolutamente indivíduo e me expõe ao olhar dos outros como um homem entre os homens, ou pelo menos uma consciência entre as consciências. Até hoje, o Cogito desvalorizava a percepção de um outro, ele me ensinava que o Eu só era acessível a si mesmo, já que ele me definia pelo pensa­mento que tenho de mim mesmo e que sou evidentemente o único a ter, pelo menos nesse sentido último. Para que ou­tro não seja uma palavra vã, é preciso que minha existência nunca se reduza a consciência que tenho de existir, que ela ] envolva também a consciência que dele se possa ter e, por­tanto, minha encarnação em uma natureza e pelo menos a possibilidade de uma situação histórica. O Cogito deve revelar-me em situação, e é apenas sob essa condição que a subjeti­vidade transcendental poderá, como diz Husserl, ser uma intersubjetividade." Vida longa para o seu canal! abraços

  • @fabiobelo

    @fabiobelo

    5 жыл бұрын

    Que linda essa passagem, hein, Rubens? Obrigado, querido! E também pela presença por aqui! Muito me alegra. Vida longa às nossas conversas! Abraços!

  • @victormatheus3198
    @victormatheus31983 жыл бұрын

    Revendo os vídeos e sonhando com a modalidade "membro do canal", um grupo de estudos com leituras sistemáticas neste sentido...

  • @fabiobelo

    @fabiobelo

    3 жыл бұрын

    Gosto muito dessa possibilidade, Victor! Obrigado pela dica!

  • @lirirlz
    @lirirlz5 жыл бұрын

    muito esclarecedor! parabéns!

  • @fabiobelo

    @fabiobelo

    5 жыл бұрын

    Que bom que gostou, Luiz! Obrigado!

  • @lilianegoncalves8748
    @lilianegoncalves87484 жыл бұрын

    Fantástico Fábio! Sem pai, com uma mãe poderosa não pude ser uma adolescente comum. Tinha que jogar parte do álcool fora e substituir por água. Não dormir para ver se ela iria incendiar o colchão. Fui ficando inibidíssima, incapaz de ser agressiva e muito empática, mas atordoava a todos com uma criatividade que esbanjava, fluía por todos os poros. Quando não estava deprimida, estava em silêncio entre um desenho e uma leitura criando incansavelmente como se aquilo fosse me salvar ao cruzar a porta. Muito cedo tornei-me uma histérica, mas sobrevivi contra tudo e todos por causa da arte.

  • @fabiobelo

    @fabiobelo

    4 жыл бұрын

    Que bom q vc sobreviveu, Liliane! E obrigado pela companhia!

  • @lilianegoncalves8748

    @lilianegoncalves8748

    4 жыл бұрын

    @@fabiobelo, maratonando! 💛

  • @thamiresl.541
    @thamiresl.5414 жыл бұрын

    Você manda bem na edição e montagem dos vídeos 😉

  • @fabiobelo

    @fabiobelo

    4 жыл бұрын

    Ah, não sou eu não! rs... é o Arthur! Ele é ótimo!

  • @thamiresl.541

    @thamiresl.541

    4 жыл бұрын

    @@fabiobelo parabéns ao Arthur 👏🏼👏🏼👏🏼 Sugiro você gravar sobre o brincar para Winnicott

  • @fabiobelo

    @fabiobelo

    4 жыл бұрын

    @@thamiresl.541 já transmiti a ele seu elogio. Agradecemos! Ótima sugestão. Anotada!

  • @rodrigorodriguesdiniz6611
    @rodrigorodriguesdiniz66115 жыл бұрын

    🙏 gratidão!!

  • @fabiobelo

    @fabiobelo

    5 жыл бұрын

    Eu q agradeço pela companhia!

  • @geanpaiva9745
    @geanpaiva97453 жыл бұрын

    Os sujeito perversos tem um desejo destrutivo a passagem ao ato na realidade externa e o neurótico faz isso na fantasia? E se esse desejo permanecer na subjetividade pode este sujeito adoecer? Se sim, qual o manejo do analista?

  • @fabiobelo

    @fabiobelo

    3 жыл бұрын

    Exato: na neurose, de maneira geral, o desejo perverso fica na fantasia... na perversão, temos a atuação... A questão q vc coloca é ótima... em alguma medida, sempre pagamos pela repressão... o manejo é na direção de reconhecer esses desejos e elaborar a frustação de não realizá-los.

  • @edilvanmoraes4707
    @edilvanmoraes470710 ай бұрын

    Professor, o q seria uma fantasia inconsciente?

  • @edilvanmoraes4707

    @edilvanmoraes4707

    10 ай бұрын

    Pergunto isso pq queria entender melhor essa relação da fantasia com o inconsciente em termos do q seria essa fantasia, pois como no inconsciente enquanto força pulsional, id, o simbólico não adentra (suponho), então o q seria essa fantasia q não seria a "historinha" q conto conscientemente? Não sei se fui claro.