O Uso de um Objeto - Parte III

Parte 1: Winnicott começa o artigo falando do tempo da interpretação. O analista deve aguardar o tempo oportuno para oferecer uma interpretação. A interpretação deve ser criada quando for encontrada. O risco da análise sem fim, na qual o analisando se relaciona com o analista como um objeto subjetivo, se adaptando a ele, sendo um falso self adaptativo. É preciso caminhar da relação de objeto para o uso do objeto. Esse é o modelo da análise proposto no início do artigo, pano de fundo prático para os avanços teóricos que serão expostos a seguir.
Parte 2: Winnicott parte do pressuposto de um self isolado, que aos poucos vai distinguindo a realidade. Relacionar-se com a realidade objetiva não é automático ou natural. Depende de um tipo de relação amorosa específica, na qual o objeto (objetivo) sobreviva à destruição do objeto (subjetivo). A construção da objetividade do objeto acontece ao mesmo tempo em que o próprio eu é construído e reconhecido. A mãe suficientemente boa é o modelo do cuidador que vai suportar o paradoxo vivenciado pelo bebê: eu crio o objeto que eu encontro. É esta a ilusão de onipotência. Ela deve ser desfeita lentamente para que eu possa vir a reconhecer a objetividade do objeto, isto é, sua alteridade mesma, independente do que eu possa vir a fantasiar sobre ele.
Parte 3: A distinção eu / não-eu aponta para a prioridade do ódio na relação com o objeto objetivo: primeiro é preciso me distinguir do objeto, reconhecê-lo como não-eu, retirá-lo da minha área de ilusão onipotente: o objeto não é aquilo que eu quero que ele seja. Só a partir disso, a partir do ódio que me faz distinguir o que eu sou e o que não é eu, é que posso ter a possibilidade de amar o objeto, de reconhecê-lo em sua alteridade mesma, em sua objetividade. Isso não impede que a destruição do objeto subjetivo continue permanentemente na fantasia inconsciente. Na fantasia, minha onipotência continua a fazer do objeto tudo o que quiser. É a discrepância entre o que acontece com o objeto na fantasia (objeto subjetivo) e o objeto "lá fora" (objeto objetivo) que demonstra que o objeto sobrevive, que ele permanece. Daí a importância do objeto não retaliar ou se vingar quando é destruído na fantasia: o cuidador deprimido é o paradigma dessa retaliação, isto é, é como se a destruição que dirijo ao objeto subjetivo destruísse mesmo o objeto objetivo. Isso faz com que seja impossível o desenvolvimento da capacidade de usar o objeto.
Parte 4: A falha na constituição da capacidade do uso do objeto faz com que o sadismo possa se estabelecer. A agressividade que deveria ter sido localizada na fantasia inconsciente permanece voltada para fora. O exemplo do sujeito com a obra de arte trazido por Winnicott mostra isso. Num exemplo clínico, Winnicott mostra como é preciso um cuidador estável para que o uso do objeto se constitua. Na ausência desse cuidador estável, o sujeito recua diante da criatividade. Ele inibe seus impulsos destrutivos e inibe todos os outros impulsos conjuntamente. Apenas se eu puder criar e destruir o objeto subjetivo muitas vezes, sem retaliação e percebendo, aos poucos, que o objeto objetivo sobrevive, estável e permanente, é que eu posso, adiante, me relacionar criativamente com o mundo, sem medo da retaliação.
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Пікірлер: 9

  • @musylise
    @musylise2 жыл бұрын

    Fiquei pensando na relação entre o não desilusionamento e o pensamento mágico..... E mais uma vez, muito obrigada pelo vídeo. Excelente 👏👏👏

  • @fabiobelo

    @fabiobelo

    2 жыл бұрын

    Tudo a ver... boa associação!

  • @thamiresl.541
    @thamiresl.5414 жыл бұрын

    A minha supervisora lacaniana fala que é bastante comum a brincadeira de tiro em crianças e que é bastante saudável porque assim elas construem uma individualidade(no sentido q as vezes precisamos respeitar a nossa singularidade apesar do desejos dos outros) melhor e que já que o senso destrutivo existe é para encararmos pelo simbólico e não pelo real. "Quanto mais feito no simbólico menos resta pro real" Porém minha outra professora que era pesquisadora na área de neurobiologia da emoção dizia que todas as violências(arma de brinquedo, videogames, filmes e séries violentas ela realmente deixou claro que TUDO) induzem a mais violência e q as únicas pesquisas que não sinalizam isso foram pesquisas compradas. Disse inclusive que a indústria ibérica americana investe em produções audiovisuais nesse sentido. Como já pode perceber, isso é um assunto como qualquer outro psíquico, sem consenso profissional. Fico sem saber o que pensar 😵

  • @geanpaiva9745
    @geanpaiva97453 жыл бұрын

    Parabéns pela exposição do conteúdo Fábio. Tenho uma pergunta: O analista conseguindo identificar os significantes entre o real e fantasia, como este pode manejar estas identificações, tendo em vista a ética em Psicanálise?

  • @fabiobelo

    @fabiobelo

    3 жыл бұрын

    Olá, Gean! Obrigado pela companhia... o manejo da diferença entre o real e a fantasia sempre se dará apontando para o realismo do inconsciente, isto é, isso que aparece como prioridade, como ataque interno e verdade incontornável para o sujeito.

  • @thamiresl.541
    @thamiresl.5414 жыл бұрын

    Freud dizia que tinha dois tipos de amor, o do tipo de libido narcísico e do tipo de apoio. Isso tem alguma correlação com a teoria de integração winnicottiana?

  • @fabiobelo

    @fabiobelo

    4 жыл бұрын

    Acredito que não diretamente, Thamires...

  • @thamiresl.541

    @thamiresl.541

    4 жыл бұрын

    @@fabiobelo sugiro um tema atualíssimo para uma plataforma como essa, falar sobre o psicótico coringa nessa nova versão do filme da DC

  • @fabiobelo

    @fabiobelo

    4 жыл бұрын

    @@thamiresl.541 Ainda não vi o filme e quero muito ver! Anotada a sugestão. Obrigado!